Um Centenário, uma vida, 10 meses, 120 minutos e a eterna glória

Em um pequeno intervalo temporal, o palmeirense foi exposto a prova de sua própria obsessão e se deparou com o maior feito da centenária história alviverde, que agora tem um capítulo eterno sobre a glória, sobre a vida e sobre o que é desnecessário explicar a quem viveu. Sorria palmeirense, você é tricampeão da América!

Pedro Henrique Brandão
7 min readJul 10, 2022
Foto: S.E. Palmeiras

27 de novembro de 2021.

Deyverson se aproveita do erro adversário, rouba a bola, avança de forma sobrenatural — aparentemente carregado por sentimentos de palestrinos daqui e de outras dimensões — , até disparar de perna esquerda para vencer o goleiro que separava o palmeirense do paraíso.

-Corta!

Daqui a pouco, a gente volta para esse sábado de novembro em Montevideo.

18 de novembro de 2012.

Em Volta Redonda, o Palmeiras empata em 1 a 1 com o Flamengo, e, no caminho de volta a São Paulo, num ônibus em plena Via Dutra, o Alviverde se reconheceu rebaixado à Série B pela segunda vez em uma década.

O calvário palestrino já não era pequeno. Desde o retorno em 2004, o Palmeiras era apenas sombra do gigante de outrora. As glórias dos anos 1990 eram douradas lembranças e não mais que isso.

Nos anos perdidos, a única alegria foi aquele Paulista com Alex Mineiro e São Marcos de volta durante a caminhada, além da improvável Copa do Brasil de 2012 no Alto da Glória. 2008, 2012 e todos os erros possíveis já tinham acontecido. Porém, os péssimos gestores eram criativos e ainda havia repertório. Começando pela política do “bom e barato”, o Palmeiras embarcou de bico rumo ao fundo do poço.

O rebaixamento de 2012 era pouco diante de anos e anos de Mustafá Contursi, Salvador Hugo Palaia, Roberto Frizzo, Arnaldo Tirone e afins. Tudo indicava para uma queda ainda maior, mas a torcida carregou o clube nos ombros.

Quantas noites de chuva e frio foram enfrentadas bravamente no Pacaembu para apoiar aquele esquálido Palmeiras. Quantas ida a Barueri para torcer por um time que na maioria das vezes não valia o transtorno de atravessar a cidade.

7 de dezembro de 2014.

No primeiro ano da volta, a vergonha pairava sobre o Allianz Parque com a vitória do Sport no primeiro jogo oficial do novíssimo estádio e a péssima campanha no centenário. O livramento viria apenas quando o empate contra o Atlético Paranaense e a expectativa pelo fim de Vitória x Santos garantiram a permanência.

Ao fim do empate com o Furacão, o Palmeiras não havia apenas se livrado do terceiro rebaixamento de sua história, mas também havia garantido a última oportunidade de grandeza do clube. O torcedor se agarrava ao fio de esperança que surgia no gramado da casa nova com um time de recém promovidos da base, alguns razoáveis jogadores, o gigante Fernando Prass e Valdivia redimido com uma perna amarrada na decisão.

2 de dezembro de 2015.

O primeiro ano da ressurreição começou logo depois do sufoco no centenário. A nova gestão decidiu reformular completamento o elenco e para retomar a confiança do clube no mercado deu o famoso chapéu do Dudu. O camisa 7 estava garantido por toda a imprensa no arquirrival e num domingo de manhã, Dudu apareceu com a camisa do Palmeiras nas redes sociais.

Zé Roberto foi outro que chegou para resgatar o Palmeiras. Não que o palmeirense tivesse esquecido, mas foi ótimo ouvir e ver o veterano no vestiário fazendo a preleção que entraria para a história ao fazer todo mundo bater no peito e dizer “o Palmeiras é grande! O Palmeiras é grande!”.

No Paulistão, o primeiro título poderia ter vindo encerrando o jejum contra o Santos, mas quis o destino que os pênaltis deixassem o troféu na Vila. O Palmeiras levou um troféu naquele dia, o de vice-campeão e a cena de Vitor Hugo e Valdivia carregando aquela taça é mais um quadro tocante do renascimento palestrino.

Todo o trabalho da temporada foi coroado num 2 de dezembro. Uma noite de quarta-feira que ficou eternizada na memória palmeirense depois de um jogo que apontou vitória alviverde por 2 a 1 e nas penalidades, o herói improvável Fernando Prass anotou o gol do título da Copa do Brasil.

27 de novembro de 2016.

Depois da primeira conquista, a obsessão era pintar a América de verde novamente. Na primeira experiência, a desclassificação prematura na fase de grupos fez a desconfiança voltar ao Palestra. Em abril, o palmeirense não tinha mais a Liberta nem o Paulista para desejar e o foco passou a ser o Brasileirão.

A campanha cheirava título desde os primeiros jogos, mas tomou corpo com uma vitória robusta em Itaquera e outra em Brasília contra os favoritos. A prata da casa Gabriel Jesus, além de Dudu, Moisés, Jean, Mina e o consolidado Fernando Prass ergueram a taça do enea contra a Chapecoense, que sofreria o triste acidente em Medellin, na noite seguinte ao título palmeirense. A conquista do Campeonato Brasileiro aconteceu exatos 5 anos antes do tri em Montevideo.

25 de novembro de 2018.

Com os reforços após o título de 2016, o Palmeiras era o grande favorito a tudo em 2017, mas não foi bem assim. No Paulista, a Ponte Preta despachou o time de Eduardo Baptista. Já na Libertadores, Cuca assistiu o Barcelona de Guayaquil eliminar o Palmeiras dentro do Allianz Parque. No Brasileirão, o bi poderia ter acontecido, mas a campanha irregular acabou facilitando a vida do Corinthians.

Assim como 2017, o início de 2018 também não foi dos melhores e a grande ferida dessa fase foi aberta. Em casa, depois de 10 anos sem conquistas estaduais, o Palmeiras se deixou ser abatido pelo arquirrival nos pênaltis.

O jovem e bom técnico Roger acabou tendo seu trabalho interrompido por uma derrota que doeu no palmeirense, mas que poderia ser a pedra fundamental de uma era com o treinador de boas ideias. A saída de Roger foi a senha para o retorno do passado conservador e vitorioso: Luiz Felipe Scolari.

A terceira passagem de Felipão no Palmeiras soou como chacota para os rivais e a imprensa sempre de má vontade com o Alviverde. O “antiquado” e “ultrapassado” comandante levou a equipe a semifinal da Libertadores, quando caiu para o “maledeto” Boca, porém, no Brasileirão, o Palmeiras “reserva” foi deca campeão em 25 de novembro com gol de Deyverson, um prenúncio de Montevideo em São Januário.

O início, o fim e o meio

A retrospectiva acima era mais que necessária para destacar que todos os acontecimentos do 27 de novembro de 2021, em Montevideo, começaram muito antes do apito de Nestor Pitana.

Quando Andreas Pereira falhou e Deyverson foi mais esperto que qualquer palmeirense naquele estádio, a história já era livro com alguns capítulos. Entre os capítulos mais importantes está a virada na cultura do clube promovida pela chegada de Abel Ferreira.

Foi o treinador português o responsável por recordar um caro valor palmeirense:

“todos somos um”

O que a torcida fez nas arquibancadas do Centenário prova exatamente esse mantra.

No entanto, Abel trouxe um ensinamento para o povo que veste verde:

“cabeça fria, coração quente”

Sempre tivemos o coração quente, mas a cabeça fria nunca foi uma característica do palmeirense. A turma do amendoim, as cornetas que soavam forte desde os anos 1930, o torcedor que muitas vezes pressionou o próprio time, aprendeu a pressionar os adversários que ousam desafiar o Palmeiras.

De volta a Montevideo

Nos últimos anos, o Palmeiras se acostumou a jogar Libertadores. Desde o retorno em 2016, foram seis edições consecutivas e ainda está garantida a sétima em 2022.

Antes do eterno 27 de novembro, Montevideo já havia sido palco de uma batalha importante para os palmeirenses. Em 2017 num épico jogo contra o Peñarol, o Palmeiras conseguiu mais uma classificação na fase de grupos.

Quis o destino que a capital uruguaia fosse palco para o encontro com o Flamengo pela taça da Copa Libertadores. Em campo, o favoritismo rubro-negro sucumbiu a disciplina, dedicação, entrega e organização de um Palmeiras que aprendeu a ser letal.

Extremamente ligado nos objetivos propostos por Abel Ferreira, o Palmeiras foi perigoso do primeiro ao último minuto. Logo aos 5', Raphael Veiga abriu o placar depois de uma jogada pela direita de Gomez e Mayke.

Depois do gol, o Palmeiras soube cadenciar a partida e deu o ritmo que quis ao duelo. Mesmo quando sofreu o gol de empate, o Alviverde não desmoronou e seguiu o plano de seu comandante.

A insistência do empate levou a prorrogação. No duelo físico e mental, o Palmeiras venceu ao encontrar a instabilidade num dos melhores jogadores do adversário.

O resultado ao apito final escancarou a felicidade mais genuína e o desabafo mais profundo do palmeirense. O gol de Deyverson selou uma tríade que faz do palestrino campeão da Libertadores nos pênaltis, no último minuto dos acréscimos e na prorrogação.

Em 10 meses — o que talvez não volte nunca mais a acontecer — , o Palmeiras conquistou a Obsessão duas vezes e fez valer os 120 minutos de Montevideo, o Centenário, a Glória Eterna, todo o calvário dos anos 2010, e retribuiu da melhor maneira possível todo o apoio do torcedor que nunca abandonou o clube.

Em um pequeno intervalo temporal, o palmeirense foi exposto a prova de sua própria obsessão e se deparou com o maior feito da centenária história alviverde, que agora tem um capítulo eterno sobre a glória, sobre a vida e sobre o que é desnecessário explicar a quem viveu. Sorria palmeirense, você é tricampeão da América!

Foto: S.E. Palmeiras

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Pedro Henrique Brandão

Não sou especialista, escrevo do que é especial pra mim. Futebol além das quatro linhas e um pitaco disso ou daquilo. Minha alucinação é suportar o dia a dia.